Hoje eu acordei querendo ver o mar com vontade de tomar café na minha xícara amarela. Normalmente, eu uso o copo do meu mixer, que tem 800ml e atende de uma vez só a minha necessidade diária de café. Tá chovendo e, ainda que eu não tenha uma poltrona (nem mesmo uma cadeira) pra tomar meu café olhando a chuva, gosto de pelo menos criar mentalmente essa imagem bucólica, enquanto tomo meu café de pé mesmo; gosto de ter pelo menos a ilusão de quando minha vida ainda não havia chegado ao nível de tomar café no copo do mixer.
Hoje, além da chuva, acordei com os paspalhos do marketing comemorando, naquela rede social “de empregos” cujo nome não deve ser dito, a famigerada indexação de conteúdos do Instagram no Google. Vou explicar: agora, quando você pesquisar algo no Google, além da porrada de anúncios que ele vai exibir para você, também irão aparecer postagens (relacionadas ao que você pesquisou, ou não) do Instagram. Essa gente que entope os escritórios em São Paulo e tomam muito mais que 800ml de café por dia, está feliz porque Tiamat tem uma nova cabeça. As editoras terão que correr para atualizar O Inferno, de Dante, com mais este círculo.
Mas quem sou eu para me preocupar com isso, não é mesmo? Pobre de quem continua achando que só está nutrindo seu álbum de fotos virtual, que agora vai ver (além das toneladas de propaganda) conteúdo inútil, feito para ser lido pelos robôs do vale do silício. Eu deveria só estar aqui, tomando meu café, porque hoje é mais um dos meus 6 dias de trabalho. Que mal tem se, agora, verei mais uma linha nas exigências para vagas de redator:
- SEO para redes sociais
Eu, que por "melhores condições" de trabalho fui me meter nesse bueiro chamado marketing digital, deveria também estar comemorando que os executivos das big techs vão ficar mais bilionários, que os influencers vão ficar mais ricos e que a empresa que me contratar vai ampliar seu portfólio de serviços. Logo eu, que tomo café descafeinado e tenho uma mudança para fazer num intervalo mínimo de tempo.
Eu recebo meu pagamento até o quinto dia útil de agosto. No dia 10, o imóvel em que moro deverá estar desocupado. A caução de 3 alugueis que dei para firmar o contrato atual só vai ser devolvida depois do imóvel ser desocupado. Para me mudar para um novo, preciso encontrar um locador que não exija caução. E os vendedores de curso de marketing digital já devem estar correndo para encher ainda mais o rabo de dinheiro com a indexação do Instagram. Eu que me lixe. Eu que me lasque. Eu que me exploda. Quem mandou eu não vender curso?
Enquanto a gente baila ao som da especulação imobiliária, a média de uma kitchenette (kitnet? Kitnete? Quitinete? Quitnet?) decente é R$ 1200. Com muita sorte (da qual eu vou precisar), se acha opções interessantes na faixa dos R$ 850. Se você não se importar com a falta de forro, de azulejo nos banheiros, de separação sólida entre o fogão e a cama, de uma bancada na pia da cozinha que caiba uma panela de pressão, de tampa no vaso sanitário, de ao menos uma (01) janela (!), dá para achar coisa bem mais em conta. Notem que eu não chamei de imóvel, chamei de "coisa". Imóvel é um conceito ultrapassado: uma garagem com alguns cobogós e poucas folhas de drywall podem render uns R$ 750 a mais na conta de donas-marias e seus-josés por aí, fácil. E vai (com toda certeza vai!) ter gente precisando morar nessas coisas. Estamos em um momento muito produtivo da humanidade, no qual damos graças a Deus™ por ter um celular para nos fazer dar risada, voltando de empregos que drenam 12h do nosso dia, para descansar em algum muquifo que não bate sol. Produzimos cada vez mais formas sem conteúdo; níveis cada vez mais baixos de pobrezas possíveis e resignações cada vez mais eficazes.
Eu, que já trabalhei com locação de imóveis, consigo mensurar em pormenores as diferenças de preço e qualidade daquela época para agora - o conhecimento sempre sendo uma peste. Conhecimento? Melhor não tê-lo. Posso ter abandonado o Instagram e não sofrer com esta última dobra na produção de conteúdo para internet. Vou assistir de longe como as empresas e pessoas que dependem do seu perfil profissional para trabalhar irão se desdobrar para cumprir os requisitos das novas regras que a ocupação de espaço nas redes terá. Mas da preocupação com onde vou morar mês que vem, não posso.
Conhecimento, entendimento das coisas e olhos treinados para interpretar mudanças pequenas como essa (me refiro ao Instagram chegando no Google) não servem de nada quando não se tem um mecanismo para ação. De que me adianta ter tido essa notícia jogada na minha cara, quando eu tenho uma mudança (grande) real para fazer e sequer tenho dinheiro para pagar o frete?